sexta-feira, 8 de maio de 2009

Uma escola nova?



Maio de 2009
Uma escola nova?
mailto:gestao@atleitor.com.br
WriteAutorGestao('');

*A psicóloga Lídia Aratangy vai trocar mensagens com os leitores durante os próximos dias. Para participar, use a ferramenta de comentários, no final da página ou na coluna à direita.
Quando uma criança adentra o portão de uma escola (sobretudo pública), ela já é vencedora de várias batalhas: venceu a luta contra a desnutrição, a desidratação, as verminoses; resistiu à ilusão de liberdade das ruas; e, mais importante, essa criança está apostando na escola, nessa primeira rodada da injusta competição entre a escola e o trabalho infantil. Por tudo isso, ela deveria ser recebida como herói.
Mas não é o que costuma acontecer. Ela ainda vai ter de enfrentar a violência da própria escola, muitas vezes sutilmente disfarçada, para se defender da demolição sistemática engendrada pelo preconceito de colegas e professores. Apelidos maldosos e brincadeiras embaraçosas são exemplos de situações que transformam a escola num palco de agressões cruéis. O professor, mesmo sem se dar conta, pode funcionar como aliado dos alunos mais integrados, tornando-se agente desse processo de exclusão dos menos competentes. Sua expectativa sobre o sucesso ou fracasso do aluno é decisiva: aqueles em cujo sucesso o professor acredita, tendem realmente a ter resultados melhores.
Assim, são ridicularizados e humilhados o aluno tímido, o que não consegue se exprimir com clareza, o desatento, o que “não tem cabeça para o estudo”, o que “não tem base”. Depois de algum tempo, essas crianças isolam-se e passam a ser tratadas com frieza e distanciamento. Exemplos de condenações prematuras e preconceituosas concretizam-se em frases como: “Se você não aprendeu isso até agora, não vai aprender nunca!”, “Você, de novo! Sempre você!”, Ou, pior ainda: “A minha classe tem três ou quatro alunos que se salvam, o resto não vai dar pra nada!”. Ao passar adiante esse tipo de informação, o professor contribui para que o rótulo de “caso perdido” transforme-se numa segunda pele do aluno, que acaba por incorporar sua condenação ao fracasso. Mas são justamente esses os alunos que precisariam receber atenção redobrada, pois é sobre eles que estão os olhos cúpidos dos traficantes de drogas, dos aliciadores de menores para o trabalho clandestino, dos abutres da prostituição infantil. A escola não é responsável por essas situações de injustiça, mas ela é detentora das armas mais poderosas para transformar essas crianças de vítimas em agentes de mudança. Dentro de seus muros elas encontram, muitas vezes, a única esperança de reversão da expectativa de fracasso, talvez o único modelo de convivência digna que a vida lhes pode oferecer. A escola tem o poder de ajudar a criança a fazer uma tradução crítica das vivências que traz, mostrando-lhe a possibilidade de uma nova leitura do mundo e desenvolvendo nela a esperança de um mundo mais justo. Para que o processo educacional seja bem sucedido, as relações dentro da escola devem ser pautadas pelo respeito mútuo – entre professor e alunos; entre os alunos; entre os gestores e a população escolar. Dentro da sala de aula, a relação entre professor e alunos deve se basear na confiança dos alunos no saber do mestre, na esperança do professor no futuro de seus alunos. O filme Entre os Muros da Escola é uma preciosa autocrítica de um professor sobre o fracasso da escola em atender seus alunos, uma verdadeira aula sobre o processo pelo qual a instituição, ao marginalizar seu aluno, vai fazer dele um marginal. Sutilmente, o filme mostra como as várias instâncias envolvidas na educação daqueles jovens falham em sua tarefa. Vejamos algumas delas. 1. O espaço físico da escola é frio, inóspito, opressivo. O pátio de recreio não tem sequer um banco onde os jovens possam se sentar, não há uma sombra para abrigá-los, não existe nenhuma quadra esportiva onde possam jogar bola sem incomodar os colegas. 2. A relação da escola com os pais dos alunos é precária e desrespeitosa: não há, entre os professores, ninguém que conheça a língua ou a cultura de origem de seus alunos; a escuta é desatenta e desrespeitosa, o discurso dos pais não é levado em consideração; a escola não se interessa pelo que se passa com seus alunos fora de seus muros. 3. O professor François, protagonista do filme, embora bem intencionado, é totalmente descrente da competência de seus alunos, e inadequado na sua relação com eles. Sua agressividade se revela no uso frequente da ironia e do sarcasmo, provocando nos alunos um sentimento de humilhação e vergonha, desfavorável ao processo de aprendizagem. Emblemática a conversa entre ele e o professor de História, quando este tenta sugerir uma integração entre as duas disciplinas e recebe uma resposta desinteressada e cínica sobre a incompetência dos alunos para entender um texto mais elaborado (mais adiante, a aluna considerada entre os menos capazes vai deixá-lo boquiaberto ao revelar que leu os Diálogos de Platão...). 4. A escola deixa passar excelentes oportunidades de exercer sua função educadora e formadora. Por exemplo: numa postura pretensamente democrática, os alunos se fazem representar nas reuniões do Conselho, mas nenhum dos professores presentes se dá ao trabalho de lhes explicar porque estão ali e como deveriam se comportar: apesar dos esforços das meninas para se fazer notar, os professores não lhes dão a mínima atenção, e agem como se elas fossem invisíveis. Outro exemplo: em várias cenas fica patente o valor da lealdade entre os alunos – mas a escola só valoriza os momentos de tensão e conflito entre eles (uma manifestação comovente da solidariedade entre os jovens é a atitude da menina agredida que, diante do professor, defende o colega agressor). Nossa cultura enaltece a educação pautada no princípio de aprender com os erros. Seria bem mais eficiente aprender com os acertos. O professor François desperdiça uma boa oportunidade de recuperar seu aluno rebelde quando este lhe entrega o excelente trabalho fotográfico que fez quando solicitado a fazer sua autobiografia. É patente o encantamento do jovem por se ver elogiado pelo professor, numa demonstração da importância que atribui ao julgamento do mestre. Infelizmente, esse momento se perde. E o aluno reassume sua postura de contestação e rebeldia, que, sem encontrar canais mais adequados para se expressar, vai desaguar numa agressividade descontrolada. É então que a escola perde a guerra. Aquele menino – bom filho, irmão carinhoso, colega leal e solidário – vai ser considerado, pelos gestores de sua escola, a maçã podre da qual a instituição quer se livrar, para proteção dos que ficam. Uma boa teoria para quitandeiros; péssima para educadores.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Psicologia Escolar e Educacional tem se constituído historicamente como importante campo de atuação da Psicologia. Psicólogos escolares e educacionais são profissionais que atuam em instituições escolares e educativas, bem como dedicam-se ao ensino e à pesquisa na interface
Psicologia e Educação.
As concepções teórico-metodológicas que norteiam a prática profissional no campo da psicologia escolar são diversas, conforme as perspectivas da Psicologia enquanto área de conhecimento, visando compreender as dimensões subjetivas do ser humano.

Algumas das temáticas de estudo, pesquisa e atuação profissional no campo da psicologia escolar são: processos de ensino e aprendizagem, desenvolvimento humano, escolarização em todos os seus níveis, inclusão de pessoas com deficiências, políticas públicas em educação, gestão psicoeducacional em instituições, avaliação psicológica, história da psicologia escolar, formação continuada de professores, dentre outros.